12.1.07

Pedido de Casamento com Cristina


Pedido de Casamento (FarsaCena, Rio de Janeiro/RJ)

As peças longas de Tchékhov possuem personagens de universo interior intenso que deixam transparecer suas frustrações nas entrelinhas, nas famosas pausas tchekhovianas, ou em diálogos com interlocutores incapazes de proferir julgamentos. Pedido de Casamento integra o rol de peças curtas do autor, com estrutura de vaudeville, ao invés de mostrar esse mundo interior de maneira sutil, transforma-o em situações engraçadas, mas não menos angustiantes. Assim, acompanhamos a torturante jornada de Vassílievitchi (Marcos Figueiredo) tentando, sofridamente, pedir a mão de Natália Stepanovna (Beta Machado) em casamento. Mas, não é aqui que começa a peculiar história dessa apresentação. Quem, de antemão, achou estranho ver um Tchékhov na rua, imagine-o reescrito por uma personagem de inocência etílica que entra em cena e não a abandona até o aplauso final?! Foi o que aconteceu ao Grupo Farsacena: no momento que o ator Robson Sanches adentrou o espaço cênico para dar início ao espetáculo, Cristina, uma figura errante naquelas paragens, tomou lugar ao seu lado, participando no prólogo. Robson, generosamente, passou a contracenar com aquela mulher... O tempo se estendia e, Vassílievitch chega a casa dos Lubov comentando ao entrar: "Não sabia que sua tia estava em casa!" e, dessa maneira, Cristina é integrada ao jogo... e para surpresa de todos, inclusive do elenco, joga e acredita pertencer àquela cena. Sua risada arranca gargalhadas da platéia e o elenco tem que improvisar, contornar o texto, recriá-lo. Assim, Beta Machado, num momento onde sua paciência com o vizinho se esgota e, tendo Cristina tentando interferir no texto, ordena decidida: "Deixa, titia, isso agora é comigo". Vassíelievitch, apela para a ofensa familiar: "Toda a sua família é maluca" - apontando Cristina! Assim, tudo ganha um novo significado e a platéia tem a dois espetáculos: o primeiro ensaiado e construído com esmero, e em linha paralela, outro, criado no ato, à vista de todos. Um encantava pela forma e elaboração das personagens, o outro pelo despojamento e humildade dos atores. Quase inacreditável para quem assistiu, inesquecível para quem atuou. E aí temos um Tchékhov reescrito pelo acidente e pela coragem dos atores, aí temos aquela personagem que migrou das peças longas, aquela que ouve e compactua com o universo interior, mas não interage ativamente. Cristina funcionou como muro de lamentações reforçando as entrelinhas de Natália quando o futuro noivo tem um ataque de nervos e cai duro no chão, reforçou o desajuste da família Lubov e fez de Vassílievitch mais vacilante. E só podemos gritar: Bravo, FarsaCena!! pelo carinho com a rua, com os da rua! Bravo, pela criatividade e por nos ensinar que espetáculos são construídos por respeito e amor. Evoé!! E com certeza Tchékhov diria: É isso!

Um comentário:

Wellington Lyra disse...

Sem dúvida, um momento antológico!
Geniais esses caras do Farsacena!...

Bjo, minha cara ruiva!
=)