5.1.07

Casa Verde

Casa Verde (Grupo Milongas, Rio de Janeiro, RJ)

Praça da Matriz, local escolhido pelo Grupo Milongas para apresentação do espetáculo Casa Verde. Um grupo de atores em pernas-de-pau, recebe os que chegam e chama a atenção dos que passam, informado-lhes que ali haverá um espetáculo de teatro! Com bom humor, anunciam o tempo que resta até o início da apresentação e permitem a um dos espectadores que vá até o bar na esquina buscar um café, afinal estamos na rua e todos têm a liberdade de ir e vir! Todos riem e aguardam o terceiro sinal e, com ele, um convite a mergulhar no universo de Machado de Assis. Sim, Machado de Assis! O grupo Milongas leva para a rua a história d'O Alienista e conduz o público em uma viagem pelos meandros do inconsciente. Escolha audaciosa: a complexidade do autor se apresenta, logo de início, como um grande desafio à linguagem da rua, e só um trabalho árduo, horas de estudo e outras tantas horas de criação poderiam gerar um espetáculo que fizesse jus a sua grandeza. E parece que os meninos não pouparam esforços para criar um espetáculo digno e belo. Do colorido e alegre, o público é atirado na escuridão das dúvidas de Simão pelas mãos de dois "loucos", narradores e fio condutor da trama! Um deles, Maria Maluca, ludicamente conversa com um ovo, que embala como se fosse seu filho e assim, introduz os presentes numa questão quase metafísica: alguém sabe o que é ser normal?! No desenrolar dos fatos, um momento de lucidez poderá custar essa relação de carinho que ela mantém, atirando-a a solidão e voltamos a questionar: que preço pagamos pela normalidade?! Dúvidas que rondam a casa verde!

Criado a partir de trabalho colaborativo, o espetáculo apresenta um elenco coeso, intimamente ligado entre si e com a estética escolhida. As movimentações são limpas, ocupam todo o espaço determinado para a encenação e dá conta da imensa roda formada, que vai se distanciando quando a chuva resolve ser a protagonista. O público afasta-se apenas para se esconder em baixo das árvores, acomodar-se melhor, mas continua atento, ligado na história. As interpretações, fortes e marcantes, não perdem o brilho com a insistência da chuva; em respeito, paixão ou sei lá qual palavra poderia traduzir o que houve ali naquela praça, talvez dedicação! os atores permanecem em cena, fiéis a suas atuações e aos que os assistem, como se nada pudesse colocar-se entre eles e seus interlocutores! E seguem, questões, dúvidas, momentos cômicos outros tensos, e nesse ir e vir de sensações e pensamentos, nesse limiar entre ser e estar, sanidade e loucura, a história que Maria Maluca e Mestre Joaquim contam, mistura-se com a história de cada um. E cada um, aceita sua história embaixo da chuva, lavando suas almas! Rindo e chorando! E depois da porrada na boca do estômago, vem o afago: os espetáculo termina numa grande roda de ciranda, onde troca-se mais que energias, troca-se carinhos! E naquela momento único na Praça da Matriz, nesse fazer efêmero que é o teatro, todos têm o que comemorar: foram guerreiros leias, que não abandonaram o campo de batalha, apesar da chuva que insistia em cair...


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